24.10.02

Dia de Gibi Novo: Signal to Noise

Sabe quando você lê um livro ou vê um filme e gostaria de ter sido o autor? Não só por ser algo muito bem feito, mas por ser óbvio que é para aonde suas ambições e esforços estão levando você? Signal to Noise - de Neil Gaiman e Dave McKean é uma das hqs que eu queria ter feito (outra é Face, de Milligan e Freguedo).

Apesar de ter conhecido seu trabalho através de Sandman, acho que os melhores trabalhos de Gaiman são aqueles nos quais o sobrenatural aparece menos. O forte dele é a prosa e a caracterização - o que é visível por baixo do verniz místico das histórias com Morpheus. Entre as hqs dele mais pé no chão, Signal to Noise é a melhor (as outras são Violent Cases e Mr. Punch).

Signal to Noise conta a história de um diretor de cinema que está morrendo de câncer e começa a fazer seu último filme em sua cabeça, como forma de passar o tempo. Refletindo a mortalidade recém-percebida do diretor, o filme é sobre o fim do mundo que se esperava no final do primeiro milênio. Conforme Apocatastatis vai se desenvolvendo, seu autor vai reavaliando seu papel como artista e pessoa.

Além de ter uma história muito bem feita, Signal to Noise é linda. A arte de Dave McKean - em tamanho grande, ainda por cima - mistura fotografia, desenhos, recortes e stills de vídeo em páginas muito bem compostas. Cada uma delas poderia ser um pôster. Também notável é como as imagens realmente ampliam o significado das palavras, em uma harmonia impressionante.

O título da história serve de mote para todos os elementos da obra. Enquanto o texto trata tanto da dissonância entre a intenção do artista e a obra final, quanto da reflexão sobre o que é realmente importante em nossas vidas, a arte constantemente se desfaz em sinais sem sentido.

Quando releio Signal to Noise - publicada pela primeira vez em 1988 - fico muito decepcionado com o rumo que o trabalho de Gaiman tomou. Apesar de ser um autor bastante competente e com rompantes de genialidade (Death: High Cost of Living, Stardust e suas histórias em Miracleman são provas disso), a escolha por se debruçar sobre fantasia e horror exclui a possibilidade de futuros trabalhos mais desafiadores e com temas mais relevantes.